Como as IAs musicais estão usando obras protegidas — e por que isso virou caso de justiça
A ascensão de ferramentas como Suno AI e Udio despertou fascínio e tensão na indústria musical. A promessa é clara: você digita um prompt — “balada romântica com voz feminina dos anos 90” — e em segundos tem uma faixa pronta. Mas o que muitos não veem é o que alimenta esse poder criativo.
Como essas IAs funcionam?
Modelos como Suno e Udio são treinados com enormes quantidades de música — incluindo, segundo os processos em andamento, gravações protegidas por direitos autorais. Isso inclui canções famosas, vozes de artistas e estilos registrados por selos e compositores.
A prática é parecida com o que já acontece com modelos de texto (como ChatGPT): a IA aprende padrões, timbres, estruturas e estilos. Mas, diferente do texto, a música é um território legal mais sensível, onde:
- A interpretação vocal é protegida.
- Os arranjos são licenciados.
- Até o mood de uma música pode ser considerado parte de sua identidade comercial.
Por que as gravadoras estão processando?
Gigantes como Universal Music Group, Sony Music e Warner Records, representadas pela RIAA (Recording Industry Association of America), afirmam que Suno e Udio construíram seus sistemas copiando ilegalmente milhões de obras registradas sem qualquer permissão.
Segundo as gravadoras, as plataformas:
- Não buscaram acordos de licenciamento.
- Usaram gravações comerciais para treinar modelos privados.
- Estão permitindo que usuários criem músicas que “imitam” artistas reais.
O argumento central é que as startups estão se beneficiando comercialmente de um ecossistema musical construído com décadas de investimento — sem pagar nada por isso.
O ponto crítico
Não se trata apenas de plágio direto. A questão é: treinar um modelo com músicas protegidas, sem licença, já é violação de direito autoral?
As startups alegam que não copiam literalmente nada, mas sim geram novas músicas inspiradas nos padrões aprendidos. As gravadoras, por sua vez, afirmam que o próprio treinamento já é uma forma de uso indevido — e querem que isso seja regulamentado.
Se aprovar essa introdução, sigo com a segunda parte: os processos reais em andamento, com manchetes e links diretos para leitura completa.
Processos contra Suno e Udio – casos reais em evidência
1. Gravadoras processam Suno & Udio por “uso indevido em larga escala”
Em junho de 2024, a RIAA (Recording Industry Association of America) entrou com duas ações judiciais federais — uma contra a Suno AI, em Massachusetts, e outra contra a Udio (Uncharted Labs) em Nova York.
O alvo são as práticas de treinamento com milhões de gravações protegidas, sem licença, pedindo indenizações de até US$ 150.000 por música.
2. Artista independente processa em nome de criadores menores
Em junho de 2025, o músico country Anthony (Tony) Justice entrou com uma ação coletiva contra Suno e Udio em Massachusetts, alegando que as IAs “pisotearam” os direitos de artistas independentes ao usar seus conteúdos sem autorização ou compensação.
Justice afirmou:
“Ao invés de licenciar músicas, Suno/Udio preferiram simplesmente roubar canções e gerar músicas no estilo IA por quase nenhum custo.”
Fonte: Music Business Worldwide
3. Declarações públicas e teses
- A RIAA acusa as IAs de “roubo em escala industrial” que ameaça “afogar o mercado com versões sintéticas”.
- As empresas alegam que suas criações são originais e que o uso de obras protegidas para treinamento se enquadra como fair use.
Fontes:
Crowell | Music Business Worldwide
Por que isso importa
- Treinar modelos sem licença: Onde está o limite entre inspiração e violação?
- Impacto no mercado: O risco da saturação por músicas sintéticas baratas.
- Proteção para artistas menores: Eles são os mais prejudicados, mas os menos protegidos.
Links para os documentos oficiais
- Notícia da AP News (processo RIAA)
- Notícia do Music Business Worldwide (Tony Justice)
- PDF da denúncia oficial da RIAA contra a Suno
Legislação de Direitos Autorais — Brasil vs. EUA
Quando falamos sobre músicas criadas por Inteligência Artificial, surge uma dúvida fundamental: essas músicas estão protegidas por lei? E mais: usar músicas de outras pessoas para “ensinar” uma IA é permitido?
Para entender o que está em jogo, precisamos olhar para as leis de direitos autorais de cada país. Aqui vamos explicar o que existe hoje — tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos — de forma simples e direta.
Leis de Direitos Autorais no Brasil
Lei nº 9.610/1998 — Lei de Direitos Autorais (LDA)
O que ela diz:
- Protege qualquer obra intelectual (música, texto, arte etc.) desde que seja original.
- O autor tem direito exclusivo de usar, reproduzir e licenciar sua obra.
- O uso sem autorização pode gerar indenização, mesmo que a obra não esteja registrada (o registro ajuda, mas não é obrigatório).
- A lei protege a obra até 70 anos após a morte do autor.
E a IA?
- A LDA não menciona IAs, pois foi criada em 1998. Por isso, hoje não há regras claras sobre obras criadas por máquinas.
- Muitos especialistas defendem que, se a IA for usada como ferramenta e houver direção humana, os direitos são do criador humano.
Curiosidade real: Em 2019, a banda brasileira O Terno teve uma música copiada por um youtuber que usou trechos sem crédito. A banda venceu na justiça e o conteúdo foi removido, mesmo sem registro prévio da música.
Leis de Direitos Autorais nos Estados Unidos
U.S. Copyright Act — Título 17 do Código dos EUA
O que ela diz:
- Protege qualquer obra criativa e original fixada em algum meio (escrita, áudio, vídeo).
- O direito é automático (não precisa registrar), mas o registro é necessário para entrar com processos judiciais.
- A proteção dura 70 anos após a morte do autor (igual ao Brasil).
- Obras feitas por “não humanos” não são protegidas por copyright.
E quanto às músicas geradas por IA?
- Segundo o Escritório de Copyright dos EUA, IA pura não pode ter direitos autorais. Apenas humanos têm esse direito.
- Se um humano dirigiu o processo (por exemplo, escreveu o prompt ou ajustou a música), pode haver direito autoral — mas ainda é debatido caso a caso.
Curiosidade real: Em 2022, o artista Stephen Thaler tentou registrar uma música gerada 100% por IA como “obra sem autor humano”. O Escritório de Copyright recusou, dizendo que só seres humanos podem ser autores.
O Futuro da Legislação sobre Música e Inteligência Artificial
As leis de direitos autorais, tanto no Brasil quanto nos EUA, nasceram em um mundo onde só humanos criavam. Mas agora que máquinas estão compondo, interpretando e até se emocionando por nós, o mundo jurídico está correndo atrás para acompanhar.
A pergunta que está sendo feita em todo o planeta é simples — e assustadora:
Quem é o dono de uma música feita por uma IA?
O que está em debate?
Há três grandes frentes de discussão internacional:
- Obra sem autor humano: Pode ser registrada? Até agora, a resposta é “não”. Mas com o avanço das IAs generativas, isso pode mudar.
- IA como coautora: Se um humano dá o comando, mas a máquina cria, é colaboração ou apenas uso de ferramenta?
- Treinamento com obras protegidas: É legal treinar uma IA com músicas protegidas por copyright sem pedir permissão ou pagar royalties?
Propostas em andamento (EUA)
Nos EUA, existem projetos de lei sendo debatidos para atualizar o Copyright Act e lidar com a IA:
- NO FAKES Act (2023): busca proteger a imagem, voz e identidade de artistas contra cópias geradas por IA.
- Generative AI Copyright Disclosure Act (2024): exige transparência sobre o uso de obras protegidas no treinamento de IA.
A US Copyright Office também está conduzindo audiências públicas e consultas sobre o tema.
E no Brasil?
Embora não existam leis específicas, há movimentos importantes:
- A Comissão de Juristas sobre Regulação da IA no Senado (2023) propôs incluir o tema da autoria algorítmica em futuras legislações.
- O PL 2338/2023 menciona aspectos éticos e jurídicos, mas ainda não define regras claras para criação artística por IA.
O que especialistas esperam para os próximos anos?
- Criação de uma “autoridade central” para fiscalização e cobrança, como o ECAD da IA.
- Licenças obrigatórias para o uso de músicas protegidas no treinamento de modelos.
- Selo de origem humana para obras criadas sem IA.
- Nova categoria legal: “obras com autoria algorítmica”, com regras específicas.
Mas será que isso será suficiente?
Regular a IA na música não é só proteger os artistas. É garantir que, no futuro, o que ouvimos continue tendo alma, contexto, história. Que não viremos apenas consumidores de estímulos sonoros gerados por estatísticas.
A tecnologia não vai parar. Mas a legislação precisa aprender a correr.