Transferência de aprendizado em genômica

O transfer learning (Aprendizado por Transferência) emerge como uma das estratégias mais promissoras na interseção entre a Inteligência Artificial (IA) e a Genômica, oferecendo um caminho acelerado para a compreensão e o combate a novas doenças. Em um mundo onde novas ameaças de saúde, como pandemias virais e patologias genéticas raras, exigem respostas rápidas, a capacidade de reutilizar o conhecimento adquirido em grandes conjuntos de dados genômicos existentes é um divisor de águas.

 

O conceito de transferência de aprendizado

A Transferência de Aprendizado é uma técnica de Machine Learning (Aprendizado de Máquina) que envolve a reutilização de um modelo de IA pré-treinado em uma tarefa para servir como ponto de partida para um novo problema. Em vez de construir e treinar um modelo do zero (o que consome tempo e vastos recursos computacionais, exigindo grandes datasets rotulados), aproveita-se a “sabedoria” já encapsulada nos pesos e parâmetros de um modelo treinado anteriormente.

Na genômica, essa “sabedoria” pode ser o conhecimento fundamental sobre:

  • Padrões de sequência: O modelo aprendeu a reconhecer estruturas comuns em sequências de DNA ou RNA.
  • Regulação gênica: Ele já compreende como diferentes genes interagem e como suas expressões são reguladas.
  • Associações doença-gene: O modelo internalizou correlações complexas entre mutações e doenças conhecidas, como o câncer.

 

Como o reaproveitamento acontece

O processo mais comum de Transfer Learning envolve duas etapas principais:

  1. seleção do modelo fonte: Escolhe-se um modelo de Deep Learning (Aprendizado Profundo), muitas vezes uma Rede Neural Convolucional (CNN) ou uma arquitetura baseada em Transformers, que foi treinado com um grande volume de dados genômicos (por exemplo, genomas de milhares de pacientes com câncer ou doenças cardiovasculares).
  2. Ajuste Fino (Fine-Tuning): O modelo pré-treinado é adaptado à nova tarefa (a doença emergente ou rara). Isso geralmente é feito de duas maneiras:

    • Congelamento de Camadas: As camadas iniciais do modelo, que aprenderam características genômicas básicas e amplas, são “congeladas” para preservar esse conhecimento.
    • Reajuste das Camadas Finais: As camadas de saída (responsáveis pela classificação ou predição específica) são substituídas ou reajustadas, e o modelo é treinado novamente, mas desta vez com um conjunto de dados muito menor da nova doença.

O resultado é um modelo que converge mais rapidamente, com melhor desempenho e que exige um volume de dados muito menor, crucial quando se lida com doenças novas ou raras, onde os dados são escassos.

 

Aplicações na genômica para novas doenças

A maior vantagem do Transfer Learning na genômica reside em sua capacidade de mitigar o desafio dos “low-resource languages” (linguagens com poucos recursos), que neste contexto se traduz em patologias com poucos dados genômicos disponíveis.

  • Doenças Emergentes (Exemplo: SARS-CoV-2): Quando o genoma de um novo patógeno é sequenciado, modelos pré-treinados em outros vírus da mesma família (como outros coronavírus ou influenzas) podem ter aprendido padrões de estrutura viral e mecanismos de infecção. Esse conhecimento pode ser transferido para classificar a nova sequência viral, prever sua taxa de mutação ou identificar potenciais alvos de drogas muito mais rápido do que um modelo treinado do zero.
  • Doenças Raras: Modelos treinados em vastos datasets de doenças genéticas mais comuns, como tipos de câncer hereditário, podem ser ajustados para identificar variantes patogênicas em doenças ultrarraras. O modelo já aprendeu como diferenciar variantes benignas de mutações deletérias no genoma humano, um conhecimento universalmente aplicável.
  • Descoberta de Biomarcadores: Ao transferir o conhecimento, o modelo pode rapidamente apontar para genes ou vias moleculares (redes biológicas) que são ativadas de forma anômala na nova doença, acelerando a descoberta de biomarcadores para diagnóstico precoce e alvos terapêuticos.
  • Medicina de Precisão: O Transfer Learning pode ajudar a personalizar tratamentos. Um modelo treinado para prever a resposta a um medicamento em um grande grupo de pacientes pode ser rapidamente ajustado para prever a resposta de um paciente a um novo tratamento ou para uma doença com uma apresentação clínica ligeiramente diferente.

 

Vantagens e o futuro da medicina

A adoção do Transfer Learning está redefinindo o ritmo da pesquisa genômica e biológica, trazendo consigo benefícios tangíveis:

  • Redução de Custos e Tempo: Diminui drasticamente o tempo e os recursos computacionais necessários para o treinamento de modelos de alta performance.
  • Melhor Desempenho com Menos Dados: Permite a construção de modelos precisos mesmo com datasets pequenos, um cenário comum em pesquisas de doenças raras ou novas.
  • Maior Robustez: O conhecimento prévio do modelo o torna mais robusto e menos propenso a overfitting (ajuste excessivo) aos dados limitados da nova tarefa.

À medida que os Grandes Modelos de Linguagem (LLMs) e os modelos generativos avançam em sua capacidade de analisar e gerar sequências biológicas, o futuro é a criação de um “Modelo Base Genômico” universal. Este modelo seria treinado em todos os dados genômicos e multiômicos disponíveis no planeta, tornando-se uma ferramenta onisciente. Com ele, o diagnóstico e a descoberta de tratamentos para qualquer nova doença se resumiriam a um rápido e eficiente processo de Transfer Learning.

 

Fontes

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FIGUEIREDO, Leticia Freire de. Transfer learning for boosted relational dependency networks through genetic algorithms. 2021. 66 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Sistemas e Computação, COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/26307. Acesso em: 28 nov. 2025.

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IONOS. Transfer Learning: O que é aprendizado por transferência. [S.l.]: IONOS, [2025?]. Disponível em: https://www.ionos.com/pt-br/digitalguide/sites-de-internet/desenvolvimento-web/transfer-learning/. Acesso em: 28 nov. 2025.

WHATA, W.; CHIMEDZA, K. Novel Proposal of Viral Genome Representation Applied in SARS-CoV-2 Classification with Deep Learning. In: Nova Proposta de Representação de Genoma Viral Aplicada na Classificação do SARS-CoV-2 com Aprendizagem Profunda. [S.l.]: Repositório Institucional da UFRN, 2022. p. 38. Disponível em: https://repositorio.ufrn.br/server/api/core/bitstreams/34f6bfc4-de8b-444c-89e7-77370fd9601b/content. Acesso em: 28 nov. 2025.